sábado, 6 de junho de 2009
Livros da Infância
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Ornamentos
O uso da palavra é uma arte, a arte do sonho, do sentimento, da emoção, da reconciliação… uma arte relegada para o romântico pela exaltação das emoções, pelo engano dos sentidos que promove uma onda inebriante e leva as massas a um êxtase ilusório... a formatação do sentir é por vezes tão forte que nos nega a interpretação acreditada nos próprios sentidos. E não será a procura da razão que peja os nossos sentidos e nos faz navegar num vazio temeroso na procura da inteligibilidade o que nos ludibria?
Ao lugar do “poético” apenas a ficção, e por isso leio, cavalgando numa odisseia quixotesca ou num qualquer mundo de Alice e estudo as razões da ausência desse lugar, que apesar da brisa de um vulto elegante, está ainda afastado da realidade vivencial. Pelo menos traria consigo o conceito de belo, de etéreo… a poesia, num dos conhecidos sonetos de Luís de Camões.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas da lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, emfim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não muda já como soía*.
* usualmente
Luís Vaz de Camões (1595 pm)
A sociedade evolui, o sentimento é perene…
La Biblioteca de Babel
O universo de Borges sempre tão inacessível e tão apaixonante, tão longínquo e infinito, tão distante de nós, tão perto da vida.
Alberto Manguel, foi um dos muitos jovens, que leram em voz alta para Borges, sem se estabelecer uma forte relação pessoal: "Eu descobria um texto lendo-o em voz alta, enquanto Borges usava os ouvidos como outros leitores usavam os olhos para esquadrinhar uma página à procura de uma palavra, de uma frase, de um parágrafo que confirmassem um registo da memória. Durante a leitura, interrompia-me, fazendo comentários ao texto a fim de (penso eu) tomar notas mentais."
Segundo Manguel, mesmo que não significasse nada mais que um veículo de informação para Borges, sentia que o universo do escritor abafaria qualquer sentimento contraditório: "Eu sentia que era o único proprietário de uma edição cuidadosamente anotada, compilada para meu benefício exclusivo. Evidentemente que não o era; eu (como muitos outros) era apenas o seu caderno de apontamentos, um aide-mémoire de que o escritor cego necessitava para organizar as suas memórias".
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Dia de Pentecostes
Penso que deve existir para cada um
uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse
virgem de sentido e que,
vinda de um ponto fogoso da treva, batesse
como um raio
nos telhados de uma vida, e o céu
com águas e astros
caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada
exaltação.
Que palavra seria, ignoro. O nome talvez
de um instrumento antigo, um nome ligado
à morte – veneno, punhal, rio
bárbaro onde
os afogados aparecem cegamente abraçados a enormes
luas impassíveis.
Um abstracto nome de mulher ou pássaro.
Quem sabe? – Espelho, Cotovia, ou a desconhecida
palavra Amor.
Somente sei que minha vida estremeceria, que
os braços sonâmbulos
iriam para o alto e queimariam a ligeira
noite de Junho, ou que o meu
coração ficaria profundamente louco. E nessa
loucura
cada coisa tomaria seu próprio nome e espírito,
e cada nome seria iluminado
por todos os outros nomes da terra, e tudo
arderia num só fogo, entre o espaço violento
do mês de primavera e a terra
baixa e magnífica.
Herberto Helder
A Colher na Boca