segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dia de Pentecostes

Poesia de Herberto Hélder para celebrar Pentecostes, o dia em que todos os homens se entendem.


Penso que deve existir para cada um
uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse
virgem de sentido e que,
vinda de um ponto fogoso da treva, batesse
como um raio
nos telhados de uma vida
, e o céu
com águas e astros
caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada
exaltação.

Que palavra seria, ignoro. O nome talvez

de um instrumento antigo, um nome ligado
à morte – veneno, punhal, rio
bárbaro onde
os afogados aparecem cegamente abraçados a enormes
luas impassíveis.

Um abstracto nome de mulher ou pássaro.
Quem sabe? – Espelho, Cotovia, ou a desconhecida
palavra Amor.


Somente sei que minha vida estremeceria, que

os braços sonâmbulos

iriam para o alto e queimariam a ligeira

noite de Junho, ou que o meu

coração ficaria profundamente louco. E nessa

loucura

cada coisa tomaria seu próprio nome e espírito,

e cada nome seria iluminado

por todos os outros nomes da terra, e tudo

arderia num só fogo, entre o espaço violento

do mês de primavera e a terra

baixa e magnífica.




Herberto Helder
A Colher na Boca