sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Instruções Para Salvar o Mundo

« Já que nos dias de hoje nada é fiável, e já que os deuses e as ideologias há muito estão enterrados, ao menos sê boa pessoa, caramba!»
-Rosa Montero-

sábado, 17 de abril de 2010

É proibido, por Pablo Neruda.

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.

É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.

É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.

É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.

É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.

É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.

É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.

É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.

É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Truman Capote (1924-1984)




Entrevistas da Paris Review

"Há alguma coisa que tenha escrito há muito tempo e de que goste tanto como gosta daquilo que escreve agora?
-Sim. Por exemplo, no Verão passado li o meu romance Outras Vozes, Outros Lugares pela primeira vez desde que ele foi publicado, há oito anos, e foi quase como se estivesse a ler uma coisa escrita por um estranho. A verdade é que eu sou um estranho para aquele livro; a pessoa que o escreveu parece ter pouco em comum com o meu eu actual. As nossas mentalidades, as nossas temperaturas interiores são totalmente diferentes. Apesar da inépcia, aquilo tem uma extraordinária intensidade, verdadeira voltagem. Estou muito satisfeito por ter conseguido escrever o livro quando o escrevi, caso contrário ele nunca teria sido escrito."

sexta-feira, 26 de março de 2010

Poema Pouco Original do Medo


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis


Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
sim
a ratos

ALEXANDRE O´NEILL
Poesias Completas

"O vinho inicia-nos nos mistérios vulcânicos do solo, nas riquezas minerais escondidas: uma taça de Samos bebida ao meio-dia, em pleno sol, ou, ao contrário, absorvida por uma noite de Inverno, num estado de fadiga que permite sentir imediatamente na concavidade do diafragma o seu derramamento quente..., a sua segura e escaldante dispersão ao longo das artérias, é uma sensação quase sagrada, por vezes forte de mais para uma cabeça humana; já a não acho tão pura quando sai das adegas numeradas de Roma, e o pedantismo dos grandes conhecedores de bebidas impacienta-me. Mais piedosamente ainda, a água bebida na concha da mão ou mesmo na nascente faz correr em nós o mais secreto sal da terra e a chuva do céu. Mas a própria água é uma delícia que o doente que eu sou só pode gozar com sobriedade. Não importa: mesmo na agonia e misturada com a amargura das últimas poções, esforçar-me-ei por sentir a sua fresca insipidez nos meus lábios"
Marguerite Yourcenar

terça-feira, 9 de março de 2010

Murmúrios do Mar


Paga-me um café e conto-te
a minha vida

o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas c...cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu nunca choraste
por amores que se perdem

os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

«Pago-te um café se me contares
o teu amor»

José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Entrevistas da Paris Review


Este livro é uma compilação de entrevistas literárias a vários escritores entrevistados para a Paris Review, a selecção, tradução e notas são da responsabilidade de Carlos Vaz Marques.
Um dos entrevistados é o grande escritor Jorge Luís Borges.

"Disse uma vez que um escritor nunca devia ser julgado pelas suas ideias.
- Sim, não me parece que as ideias sejam importantes.

Muito bem, então de que modo devia ele ser julgado?
- Devia ser julgado pela satisfação que proporciona e pelas emoções que se obtêm. Quanto às ideias, bem vistas as coisas não é muito importante se um escritor tem uma determinada opinião política ou se tem outra, porque a obra há-de surgir independentemente delas, como no caso do Kim, de Kipling. Suponha que considera a ideia do império inglês - bem, em Kim parece-me que as personagens de que realmente gostamos não são inglesas, mas muitas delas índios ou muçulmanos. Acho que são boa gente. E isso acontece porque ele as pensou - não, não! Não porque ela as pensou mais simpáticas - porque ele as sentiu mais simpáticas."