sexta-feira, 26 de março de 2010


"O vinho inicia-nos nos mistérios vulcânicos do solo, nas riquezas minerais escondidas: uma taça de Samos bebida ao meio-dia, em pleno sol, ou, ao contrário, absorvida por uma noite de Inverno, num estado de fadiga que permite sentir imediatamente na concavidade do diafragma o seu derramamento quente..., a sua segura e escaldante dispersão ao longo das artérias, é uma sensação quase sagrada, por vezes forte de mais para uma cabeça humana; já a não acho tão pura quando sai das adegas numeradas de Roma, e o pedantismo dos grandes conhecedores de bebidas impacienta-me. Mais piedosamente ainda, a água bebida na concha da mão ou mesmo na nascente faz correr em nós o mais secreto sal da terra e a chuva do céu. Mas a própria água é uma delícia que o doente que eu sou só pode gozar com sobriedade. Não importa: mesmo na agonia e misturada com a amargura das últimas poções, esforçar-me-ei por sentir a sua fresca insipidez nos meus lábios"
Marguerite Yourcenar