sexta-feira, 19 de junho de 2009

E agora, Sofia? Onde está a linha?



A Sofia é uma pessoa que me lembra vagamente alguém que já conheci.

Aquela leitora quase tímida, quase adolescente, quase com medo de existir, pode agora receber o adjectivo aventureira.

A Sofia saiu do ninho e está finalmente onde queria estar. Vai deixar saudades.


«Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.
- Mas qual é a pedra que sustém a ponte? - pergunta Kublai Kan.
- A ponte não é sustida por esta ou aquela pedra - responde Marco, - mas sim pela linha do arco que elas formam.
Kublai kan permanece silencioso, reflectindo. Depois acrescenta: - Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa.
Polo responde: - Sem pedras não há o arco.»

As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino


Grande Reportagem

Tenho saudades do jornalismo de investigação, actualmente quase não se faz. Tenho nostalgia do tempo em que comprava a Grande Reportagem do Miguel Sousa Tavares, sim porque há a Grande Reportagem do pós Miguel Sousa Tavares, que deixou de ser a minha Grande Reportagem.
Comprava-a religiosamente, sempre que saia, às Sextas – Feiras, e não era uma publicação barata (nem o podia ser). Fazia parte do meu ritual hedonista, sentar-me no Dom Pedro, um café no Porto, ao pé de casa, e folheava-a do princípio ao fim sem saltar páginas sorvendo-a gulosamente como fazem os apreciadores do bom café.
Tenho saudades de aprender muito, com o jornalismo de investigação, que teimou em debandar, e que estranhamente passou a ser o jornalismo dos crimes, da pedofilia do “antes e depois”.
Há dias numa viagem, relembrei a Grande Reportagem, através de um documentário que passava na TSF, sobre a extinção da baleia branca no Canadá, e senti de repente o mesmo entusiasmo, que agora me leva sempre que é possível, a sintonizar a TSF.
No entanto, não existe prazer comparável ao de folhear, mandando no nosso tempo, a informação em suporte papel.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ecologia e Ideologia

Terminei hoje a leitura de um livro, "Ecologia e Ideologia", da colecção Mesa Redonda, da editora Livros e Leituras. Com este livro alarguei um pouco os meus horizontes, graças à generosa contribuição de Domingos Moura, Francisco Ferreira, Francisco Nunes Correia, Gonçalo Ribeiro Telles e Viriato Soromenho-Marques. Mais que considerações pessoais acerca de uma das maiores preocupações da nossa era deixo uma passagem de Nunes Correia, na forma de conclusão:" Julgo ser sempre necessário falar de ideologia com um grande sentido de responsabilidade. As ideologias salvam e redimem, mas as ideologias também oprimem e destroem. As ideologias procuram sempre mudar o mundo, para o melhor ou para o pior, mas acabam sempre por gerar algo distinto daquilo que se propõem. Em rigor não mudam o mundo, apenas justificam ou caucionam todas as mudanças no mundo.
É proverbial falar-se da crise das ideologias nas sociedades contemporâneas. Crise de valores, talvez fosse preferível chamar-lhe. E essa crise abre um vazio que tende a ser preenchido pelas formas mais espúrias de messianismo redentor, nas suas facetas mais bucólicas ou mais belicistas. A síndrome do milénio gera inquietações e angústias. Julgo que a ecologia é importante demais, e devia ser racional demais, para preencher esse lugar mítico de uma qualquer redenção salvífica.
A crise das ideologias tem provavelmente de se resolver com outras ideologias. E as novas ideologias, nas sociedades contemporâneas, têm necessáriamente de assimilar importantes valores ecológicos. Mas a ecologia não pode substituir-se à ideologia ou erigir-se em seu sucedâneo. A ecologia é, decerto uma componente importante da relação das sociedades humanas contemporâneas entre si e com o mundo que as rodeia, mas não é definitivamente a totalidade dessa relação nem o seu princípio organizador.
Incansavelmente temos de construir sociedades mais democráticas, mais participativas, mais responsáveis. Sociedades sempre imperfeitas porque são humanas e, porque são humanas, sempre em aperfeiçoamento. Incansavelmente temos de contrariar a subjugação a uma qualquer "ordem natural" , conceito afim de subjugação a uma qualquer "ordem superior" que corre o risco de se transformar rapidamente em subjugação à "superioridade de uma ordem".
Para os crentes a única ordem superior que merece reconhecimento é a divina. E essa devolveu ao homem (sua imagem e semelhança!) a liberdade de traçar o seu destino. Para os não crentes a única ordem superior que deve ser obedecida é a infindável tarefa de tornar as sociedades humanas mais justas e mais felizes.
Penso, assim, que inscrever a ecologia no lugar da política ou da ideologia é desaconselhável e mesmo perigoso. Antes é preciso conduzir a política ao lugar da ecologia."(.....)

terça-feira, 16 de junho de 2009

A Chuva Pasmada






Ante o frio,
faz com o coração
o contrário do que fazes com o corpo:
despe-o.
Quanto mais nu,
mais ele encontrará
o único agasalho possível
- um outro coração.

Conselho do Avô

Encontrado na primeira página do livro A Chuva Pasmada, de Mia Couto