segunda-feira, 11 de maio de 2009

A propósito de um livro de André Kertész














Buenos Aires (man reading while walking), July 10, 1962
André Kertész, On Reading



Semear na Neve é um conjunto de estudos sobre Walter Benjamin, escritos por Filomena Molder, compilados com dois que o não são propriamente, como é o caso de Sobre on Reading de André Kertész, que é um estudo sobre a ideia de leitura.
Filomena Molder é uma autora que não me canso de ler.

“Havendo uma suspensão do fluxo intencional da experiência, a irrupção dos afectos e das imagens sonhadas encontra o espírito no estado mais propício de abandono, alheamento, que é uma forma elevada de concentração: o leitor não é tanto aquele que vê, quanto aquele que a vidência guia, esquecido da sua própria visibilidade. Ao riso e ao choro, e ao seu cortejo, nascidos da leitura, não há idade que seja alheia: haverá alguma idade que lhe seja mais favorável? O acto de ler, a aprendizagem da leitura é um acto de infância por absoluto, por isso mesmo parecem os velhos que lêem tão perto de regressar a um ponto onde toda a infância se acolhe, e os adultos tomados pela leitura deixam transparecer, intocáveis, todos os indícios desse lugar recôndito, oculto em todas as ocasiões. Na verdade, a dificuldade de um adulto ou de um velho aprender a ler procede da vertigem de não poderem regressar a um mundo de lembranças, para o qual a infância está desde sempre preparada: um sonho sem comparações, tal como a língua materna. Aquele que já perdeu a infância não pode resgatar esse sonho do aprender incomparável, do aprender sem analogia, esse endureceu, está armado, defendido pela espessura de toda a espécie de repetições, suspeitas, deduções, lamentos e falsos improvisos, que constituem o lote de qualquer vida composta de muitos anos, para quem toda a vivência é um derivado. Na infância a leitura encarna essa descoberta do que não se passou em lugar nenhum, nem em tempo nenhum, isso que para Novalis era o único verdadeiro. Não é outro o sentido da experiência visível ou antecipável no rosto, nos ombros, nas mãos, nos atacadores dos sapatos, nos braços, nos cabelos, de todos aqueles que aparecem nestas fotografias, andados à procura de uma coisa que deixaram guardada num quarto que já foi deles.”



Há uns dias chegou um leitor ao balcão da biblioteca, trazia consigo os livros que tinha levado. Desculpou-se dizendo que lhe faltava um, que não o trazia, tinha estado a ler Aquele Livro sem parar, nem tinha conseguido comer. Falava com uma voz emocionada e desenhou-se-me imediatamente um sorriso no coração.
Gostaria que todos os dias fossem assim.
Quis saber o que leu, esperei impacientemente que o devolvesse.


As vidas das pessoas: não sabemos o que nelas acontece. E no entanto sentimo-nos uns aos outros se o quisermos. Mostramo-nos um pouco mais quando ali colocamos um livro, Aquele Livro. Tocamo-nos uns aos outros. As bibliotecas vivas que somos abrem-se em leque e dão-se a conhecer para que outras integrem em si os Nossos Livros.


A estante verde que guardamos: como dizer segredos silenciosamente.