Numa aldeia de Trás-os-Montes, uma pastora escreve versos. Vem à carrinha buscar livros. Espere um bocadinho que vou buscar, diz-me. Aparece, daí a pouco com um livrinho na mão, Poemas de Amor e Sofrimento. Empresta-mo. Que depois lho mande no próximo mês. Agradeço e até à próxima.
Quando penso no que será das bibliotecas itinerantes quando se avariarem os seus carros, sobe-me uma onda de tristeza, pela suspeita de que raramente se comprarão outros para substituir os antigos.
O que pode um livro fazer por uma vida?
Pode um livro salvar-nos, reabrindo a ferida original num momento precioso, sarando outras, arrancando-nos ao quotidiano e envolvendo-nos numa aura de esperança, ou dilacerando-nos, revolvendo a semente que estava em nós à espera de emergir.
Isso que podem os livros fazer pelas vidas das pessoas, não fica escrito nas estatísticas que servem de inspiração a orçamentos de estado. Deveria ser possível dizer assim: este livro salvou-me! E isso contar para uma estatística qualquer importante! Talvez assim, investindo em livros, se pudesse investir um pouco menos em anti-depressivos. Às vezes nem damos conta, como quando alguém nos toca ao de leve no ombro. Voltamo-nos para ver e já somos outros.
Deixo-vos um excerto de um livro pelo qual fui salva há muitos anos, numa outra vida. Todo o texto é belo e intenso e apetece-me, muitas vezes, continuar a copiá-lo durante vários parágrafos. O livro chama-se Os Cadernos de Malte Laurids Brigge do poeta Rainer Maria Rilke.