segunda-feira, 6 de julho de 2009

Um tesouro


















Recebi há alguns anos este livro, que tenho vindo a reler recentemente com muita frequência. Foi-me oferecido em circunstâncias muito especiais e cada vez mais me convenço que os livros, bem como as outras coisas, vêm ter connosco.
O Estúdio de Alberto Giacometti de Jean Genet foi reeditado em 1999 pela Assírio e Alvim e é o número 3 numa colecção que se chama Alfinete. Muito apropriado. Os mais saudosos ficarão contentes quando, ao abrir o livro encontrarem as palavras de Al Berto. Outras palavras ainda: solidão das coisas, ferida original, refúgio dos seres, movimento, esqueleto, nudez dos objectos.


«Tive medo quando bruscamente apareceu Osíris – o nicho cortado à face, rente à parede – sob luz verde. E foram os meus olhos os primeiros a aperceber-se? Não. Antes tinham sido ombros e a nuca, esmagada por uma mão, ou massa , obrigando-me ao mergulho dos milénios egípcios, a curvar-me mentalmente, e até encolher-me, diante dessa pequena estátua com sorriso e olhar severos. Estava ali um deus. O deus do inexorável. (Claro que me refiro à estátua de Osíris em pé, na cripta do Louvre.) Tive medo porque sem sombra de dúvida tinha ali um deus. Certas estátuas de Giacometti provocam em mim emoções muito próximas deste terror, e idêntico fascínio.
Mas despertam um curioso sentimento: são-me familiares, cruzam-se comigo na rua. Ora elas vêm do fim dos tempos, do princípio de tudo, e não cessam de vir ou recuar com soberana imobilidade. Se os meus olhos tentam aprisioná-las, aproximar-se, elas – sem fúria nem cólera nem ira, apenas pela distância entre nós, que eu ainda não notara, de tal modo reduzida e escassa, a ponto de as julgar ali mesmo – afastam-se a perder de vista: desdobra-se subitamente a distância. Para onde vão? Embora a sua imagem continue visível, onde estão elas?»