domingo, 27 de novembro de 2011

Ao descer a rua Bristol



Ao descer a rua Bristol
As I walked out one evening
por W. H. Auden, em 1937
(Tradução de Nelson Ascher)



Ao descer a rua Bristol
uma tarde, eu vi os demais
que eram como, antes da ceifa,
os já maduros trigais.

E ouvi junto ao rio, debaixo
da ponte da ferrovia,
um namorado cantando
como ele sempre amaria:

“Vou te amar, meu bem, até
que a África se junte à China,
que o rio salte a montanha
e salmões cantem na esquina.
Vou te amar até que o oceano
seque pendurado ao léu,
até que as Plêiades grasnem
quem nem os gansos no céu.

Anos fujam como lebres,
pois, nos braços, eu estreito
a Flor de Todas as Eras
e, entre amores, o perfeito.”
Mas, nas ruas, mil relógios
badalaram com alarde:
“Não confies nunca no Tempo,
Ele triunfa cedo ou tarde.

Nos desvãos do pesadelo,
onde a justiça está nua,
o Tempo espreita das trevas
e em teu beijo se insinua.

Em transtornos e ansiedade,
nossa vida esvai-se a esmo
e o Tempo há de impor-se a todos
amanhã ou hoje mesmo.

Neva em muitos vales verdes
e o Tempo reduz a nada
o arco que o mergulhador
descreve e a dança ensaiada.

Põe a mão até o pulso
dentro da água, na bacia,
pondera, ao fitar-lhe o fundo,
que tua vida foi vazia.

Desertos gemem na cama,
o armário acolhe o glaciar,
e a chávena leva à Terra
dos Mortos, ao se rachar.

Lá mendigo é perdulário
e o Gigante agrada a João,
anjinhos rugem ferozes,
Mariazinha dá no chão.
Olha bem, olha no espelho,
olha cheio de pesar:
viver é uma bênção, mesmo
que não possas abençoar.

Fica à janela conforme
ferve o choro assustador;
ama o próximo traiçoeiro
com teu coração traidor.”

Caía a noite, o casal
fora embora, a litania
dos mil relógios cessara
e, profundo, o rio corria.


O poema, narrado em inglês.